terça-feira, julho 22, 2008

Solano, cem anos


Nesta semana, mais precisamente no dia 24 de julho, completam-se cem anos do nascimento de um dos mais significativos poetas populares brasileiros. Solano Trindade foi poeta, pintor, teatrólogo, ator e folclorista. Nasceu em 1908, no bairro de São José, no Recife (PE), era filho de Manuel Abílio, mestiço, sapateiro, e da quituteira Dona Emerenciana de Jesus. Estudou até completar um ano de desenho no Liceu de Artes e Ofícios. Solano teve uma importante militância à causa desenvolvida em favor de um povo até ento oprimido.

Começou a militância a partir de 1930, quando começou a compor poemas afro-brasileiros e, já integrado nesta corrente, participa em 1934 do I e II Congresso Afro-Brasileiro, no Recife e Salvador. Em 1936 fundou a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro-brasileiro, que tinha o objetivo de divulgar os intelectuais e artistas negros. Em 1940 transfere-se para Belo Horizonte. Depois chegou ao Rio Grande do Sul, fixando-se por um tempo em Pelotas, onde fundou com o poeta Balduíno de Oliveira um grupo de arte popular. Esta foi sua primeira tentativa de criar um teatro do povo, o que não se concretizou devido à enchente de 1941, que carregou todo o material. Voltou então para Recife, indo logo depois para o Rio, onde no "Café Vermelhinho", detém-se a discutir e a conversar com jovens poetas e intelectuais, artistas de teatro, políticos e jornalistas. Ali fez sucesso.

Em 1944, edita o livro "Poemas de uma vida simples", onde se encontra o seu declamad�ssimo "Trem sujo da Leopoldina". Em 1945 funda o Comitê Democrático Afro-brasileiro, com Raimundo Souza Dantas, Aladir Custódio e Corsino de Brito. Em 1954 está em São Paulo, criando na cidade de Embu, um pólo de cultura e tradições afro-americanas. Em São Paulo também funda o Teatro Popular Brasileiro - TPB, onde desenvolveu uma intensa atividade cultural voltada para o folclore e para a denúncia do racismo. Em 1955 viaja para a Europa, com o TPB, onde dá espetáculos de canto e dança. Em 1958 edita "Seis tempos de poesia"; em 1961, "Cantares ao meu povo" (com uma reunião de poemas anteriores).

Solano Trindade faleceu no Rio de janeiro, em 19 de fevereiro de 1974, aos 66 anos.


Tem gente com fome

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiiii

Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha
Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Tantas caras tristes
querendo chegarem algum destino
em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer

Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu


SOU NEGRO


SOU NEGRO
MEUS AVÓS FORAM QUEIMADOS
PELO SOL DA ÁFRICA
MINH’ALMA RECEBEU O BATISMO DOS TAMBORES
ATABAQUES, GONGUÊS E AGOGÔS

CONTARAM-ME QUE MEUS AVÓS
VIERAM DE LOANDA
COMO MERCADORIA DE BAIXO PREÇO
PLANTARAM CANA PRO SENHOR DO ENGENHO NOVO
E FUNDARAM O PRIMEIRO MARACATU
DEPOIS MEU AVÔ BRIGOU COM UM DANADO
NAS TERRAS DE ZUMBI
ERA VALENTE COMO QUÊ
NA CAPOEIRA OU NA FACA
ESCREVEU NÃO LEU
O PAU COMEU
NÃO FOI UM PAI JOÃO
HUMILDE E MANSO
MESMO VOVÓ
NÃO FOI DE BRINCADEIRA
NA GUERRA DOS MALÉS
ELA SE DESTACOU
NA MINH’ALMA FICOU
O SAMBA
O BATUQUE
O BAMBOLEIO
E O DESEJO DE LIBERTAÇÃO...


In:“SOLANO TRINDADE CANTARES AO MEU POVO”
ED FULGOR
1961


Gravata Colorida
Quando eu tiver bastante pão
para meus filhos
para minha amada
pros meus amigos
e pros meus vizinhos
quando eu tiver
livros para ler
então eu comprarei
uma gravata colorida
larga
bonita
e darei um laço perfeito
e ficarei mostrando
a minha gravata colorida
a todos os que gostam
de gente engravatada...

Quem tá gemendo?

Quem tá gemendo,

Negro ou carro de boi?
Carro de boi geme quando quer,
Negro, não,
Negro geme porque apanha,
Apanha pra não gemer...

Gemido de negro é cantiga,
Gemido de negro é poema...

Gemem na minh'alma,
A alma do Congo,
Da Niger, da Guiné,
De toda África enfim...
A alma da América...
A alma Universal...

Quem tá gemendo,
negro ou carro de boi?

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